Patrimônio cultural no fundo do mar
A Agência de Notícias Ciência e Cultura (UFBA) acompanhou uma equipe da Universidade Federal de Sergipe para conhecer um pouco mais sobre a área de estudo
VICTÓRIA LIBÓRIO**
A Baía de Todos os Santos foi cenário de vários fatos
importantes da história naval e marítima brasileira, entre elas o
período do descobrimento, as grandes batalhas, invasões francesas e
holandesas e a guerra da independência Bahia. Esses grandes
acontecimentos deixaram nas profundezas dessa região, um valioso
material histórico, proveniente de restos de embarcações naufragadas,
estruturas portuárias, depósitos, entre outros, que despertou o
interesse da equipe de pesquisadores do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos (LAAA), coordenado pelo professor Gilson Rambelli, da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
A equipe esteve neste mês em Salvador para realizar um
treinamento de mergulho em dois sítios arqueológicos localizados na
Baía. O Ho-Mei III é um pesqueiro Chinês que explorava ilegalmente as
águas brasileiras e afundou na década de 1990. Já o Germânia &
Bretagne é formado por destroços de dois navios sobrepostos. O
interessante é que estes navios afundaram em épocas diferentes. O Vapor
a Vela alemão Germânia afundou em 1896 ao encalhar nas pedras, nesta
ocasião o Farol da Barra estava apagado. O Cargueiro francês Bretagne
bateu no Germânia devido a um erro de navegação e afundou em 1903.
O arqueólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Ademir Ribeiro Júnior,
Mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo, explicou que o
registro arqueológico subaquático é importante e necessária para a
conscientização e valorização do patrimônio cultural que se encontra
submerso. “Diferentemente do ambiente terrestre, existem materiais que
permanecem por mais tempo em ambiente subaquático e assim é possível
entender todo o conjunto de relações sociais, econômicas, políticas e
simbólicas associadas aos naufrágios”, explica.
Ele também esclareceu que a arqueologia é a ciência que
estuda os restos materiais das sociedades, ou seja, toda cultura
material que persiste da atividade humana. Dessa forma, a arqueologia
subaquática é um tema da arqueologia que estuda estes elementos que
permanecem em ambientes subaquáticos. “A pesquisa subaquática pode
revelar o que esses materiais podem nos contar como documento material
dessas sociedades”,disse o pesquisador.
Atualmente para a realização de pesquisas arqueológicas em
território nacional, são utilizados os critérios estabelecidos pela
Convenção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco) para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático. A
Convenção da Unesco orienta que se evite retirar de maneira
desnecessária o material arqueológico do ambiente submerso, pois se
tratando de matéria orgânica, madeira, os custos para a manutenção
desses materiais se tornam muito altos e permanentes, já que não existe
técnica de conservação definitiva, sendo considerada apenas um método
temporário.
O arqueólogo subaquático Luis Felipe Freire,
mestre em arqueologia pela UFS, explicou que o manuseio das peças em
sítios arqueológicos aquáticos deve ser feito de forma correta,
considerando o uso de alguns métodos específicos da arqueologia e das
ciências, necessários para que o ecossistema e os objetos permaneçam
preservados. Durante o Durante o manuseio e registro das peças são
observadas suas características físicas, anatômicas, geológicas,
históricas e biológicas.Segundo ele, caso seja necessária a retirada de material do seu ambiente, existem diversas formas de preservação atribuídas a cada tipo de fragmento. Freire esclarece que “o método mais comum para a conservação de artefatos mais resistentes (garrafas de vidro, louças, potes de cerâmicas) retirados de ambientes marinhos é a dessalinização, que é feita através da osmose, com a retirada do sal por meio de água doce dos cristais de sal presentes no artefato arqueológico, trocando sazonalmente a água em que o artefato está submerso”.
Freire ainda esclarece que as técnicas utilizadas nos
sítios arqueológicos subaquáticos são as mesmas do ambiente terrestre,
entretanto o ambiente subaquático apresenta maior conservação de matéria
orgânica, aumentando as chances de localização de uma amostra adequada
para a datação. São utilizadas a dendrocronologia, que determina a idade da madeira a partir da contagem de anéis de crescimento das árvores (quanto mais anéis, mais velha); o radiocarbono 14,
método de datação pela quantidade de carbono 14 liberada pela matéria
(quanto menor, mais velha); e associação de dados históricos, entre
outros.
Luis Felipe também defende maior valorização dos
artefatos arqueológicos, pois esses são exemplos de cultura material,
produzida pela ação humana, intencionalmente ou não. “A identificação
dos artefatos arqueológicos varia de acordo com o grupo que a produziu e
é através da análise de atributos presentes nesses artefatos que
podemos inferir função, origem, conservação, status, etc. Isso quer
dizer que um arqueólogo pode afirmar para que servia, de onde veio, se
está bem conservado e se havia importância para o grupo que produziu
determinado artefato”.
Segundo dados da Marinha do Brasil, a Baía de Todos os
Santos tem mais de 230 naufrágios catalogados em inventariamentos feitos
pela instituição militar, universidades federais e outras instituições
que têm grupos de estudos em arqueologia de ambientes aquáticos. Dentre
estes, aproximadamente 30 são explorados pelo turismo.
Arqueologia e Ciência
O pesquisador e estudante de mestrado em Arqueologia pela UFS Daniel Gusmão,
realiza sua dissertação buscando investigar a cultura material
existente na Baía de Todos os Santos. Ele afirma que o local é um dos
mais promissores para a realização de pesquisas marítimas. “O que falta à
sociedade é conhecer melhor o que existe no subsolo marinho e saber
como tirar proveito dele. Muitas vezes pensam no naufrágio como uma
espécie de tesouro, onde as pessoas vão lá saquear, retirar e encontrar
ouro. Na verdade o tesouro é o conhecimento que ele pode dar à
sociedade”, analisa Gusmão.
Daniel explica que por meio da arqueologia, cientistas têm
conseguido desenvolver pesquisas em ambientes até então desconhecidos.
Ele defende que é possível conhecer através do que restou dos
naufrágios, informações sobre as tradições marinheiras, vida a bordo,
técnicas de construção naval e assim desenvolver novas tecnologias para a
navegação.
Preservação X Interesses
Na Bahia alguns projetos de arqueologia subaquática foram
concluídos e outros estão em fase de execução. A maioria está
relacionada à arqueologia de demanda comercial, usualmente chamada de
arqueologia preventiva, ou arqueologia de contrato. Essa é uma
modalidade voltada a atender à demanda de licenciamento ambiental
determinada pela portaria 230/02 do Iphan, que exige um parecer
arqueológico sobre todos os impactos que os empreendimentos podem trazer
à região.
Segundo o arqueólogo Luis Felipe Freire, todo
empreendimento deve passar por uma investigação, justamente para dizer
se ele vai impactar, ou não, o patrimônio arqueológico da área.
Atualmente ele coordena um trabalho de mapeamento arqueológico no sul da
Bahia motivado pela construção da ponte Ilhéus – Pontal.
Freire relata que também participou dos estudos de impacto
na Baía de Todos os Santos, durante a construção do centro de lazer
náutico Bahia Marina, onde já havia previsto um projeto de expansão do
local. “A atividade consistia em diagnóstico, levantamento e resgate
arqueológico, coordenado pelos professores Leandro Duran e Paulo Bava de
Camargo na etapa de resgate, entre outros na Bahia”.
A lei em vigor 10.166 de 2000 permite a exploração e
comercialização do patrimônio inserido em ambiente aquático, tornando-o
extremamente vulnerável em relação ao patrimônio arqueológico terrestre.
“O que enxergamos atualmente no Brasil, é uma legislação que
escancaradamente vende o seu patrimônio e permite que os sítios sejam
alvo de pilhagem. O fato da não ratificação da Convenção da Unesco para a
Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático caracteriza um governo
omisso com a preservação do patrimônio arqueológico submerso”, denuncia
Freire.
Porém o pesquisador faz um alerta: “não devemos excluir os
esforços empregados nos últimos anos pelo Iphan e pela Marinha do Brasil
na mudança da situação no qual foi relegado o patrimônio cultural
subaquático”. Para ele, o ideal seria a aprovação do Projeto de Lei
7.566 de 2006, que normativa a proteção ao patrimônio arqueológico
submerso, de acordo com à Convenção da Unesco.“No contexto brasileiro,
acredito que a melhor forma de preservação é ocorrendo uma mudança
efetiva na legislação vigente”, afirma.
Outro problema legal que existe na arqueologia subaquática
brasileira é o impasse quanto a responsabilidade do patrimônio. “Apesar
de serem sítios subaquáticos, pela lei em vigor, a maior responsável
seria a Marinha que deveria ouvir o Iphan, e a Marinha, assim como
Iphan, estão tentando mudar esse panorama legal a partir de um projeto
de lei que já está no congresso nacional que iria reverter esse caso”,
explicou o arqueólogo do Iphan. Dessa forma, o Iphan passaria a ser o
maior responsável pelo patrimônio subaquático, agindo em conjunto com a
Marinha, que regularia a navegação nessas áreas.
A opinião entre os aqueólogos é unânime: deve haver um
plano de conscientização para a sociedade, operadoras de turismo e
mergulhadores, com o objetivo de preservar esses espaços, onde as
pessoas possam ir, visitar, contemplar e tirar somente fotos.
Vídeo Arqueologia Subaquática na Bahia
*Agradecimentos especiais a SharkDive e Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos/UFS.
*As imagens pertencentes a Luis Felipe Freire são de trabalhos realizados anteriormente pelo arqueólogo**Estudante de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias em CT&I
Fonte: http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/patrimonio-cultural-no-fundo-do-mar/
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